‘Não foi para o céu’ Padre fala mal de Preta Gil e acaba sendo d… Ver mais

Em uma celebração religiosa que deveria ser um momento de comunhão e espiritualidade, o que ecoou do púlpito foi discriminação. No domingo, 27 de julho, na cidade de Areial, interior da Paraíba, um incidente provocou revolta em todo o Brasil: o padre Danilo César, conhecido por seus sermões incisivos na comunidade local, cruzou os limites da civilidade ao ridicularizar publicamente a fé de matriz africana da cantora Preta Gil, que faleceu recentemente após enfrentar um câncer.
O episódio ocorreu durante a missa dominical e foi registrado por fiéis presentes. Nos vídeos, que viralizaram nas redes sociais, o padre questiona, com tom de zombaria, a força espiritual dos orixás, divindades veneradas no candomblé e na umbanda, religiões com as quais Preta Gil tinha profunda conexão. A declaração, proferida em um espaço que deveria ser de acolhimento, compaixão e respeito, chocou pela falta de sensibilidade.
“Porque Deus tem seus planos. Se for para alguém partir, partirá, e Deus sabe o que é melhor. Qual é o nome do pai da Preta Gil? Gilberto Gil invocou os orixás, e onde estão esses orixás que não trouxeram Preta Gil de volta? Já foi sepultada?”, disse o padre, com um tom irônico que deixou muitos fiéis atônitos. A fala, carregada de desrespeito, gerou indignação imediata, tanto entre os presentes quanto nas redes sociais.
O discurso do religioso não se limitou a isso. Em outro momento, ele foi ainda mais contundente: “Tem católico que se envolve com essas forças ocultas. Eu só queria que o demônio viesse e levasse essas pessoas. Quando acordarem no calor do inferno, não vão saber o que fazer.”
Essas palavras foram interpretadas por muitos como um claro exemplo de intolerância religiosa, prática considerada crime no Brasil, conforme previsto na Lei nº 7.716/1989, que criminaliza a discriminação por religião, raça, cor, etnia ou origem nacional. Diante da repercussão, o Ministério Público da Paraíba avalia a possibilidade de abrir uma investigação sobre o caso. Entidades de direitos humanos e líderes de diversas crenças repudiaram veementemente a atitude do padre.
Reações e consequências
O caso ganhou grande destaque nas redes sociais, onde artistas, ativistas e cidadãos comuns manifestaram apoio à família de Preta Gil e criticaram a postura do religioso. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enfrentou pressão para se pronunciar. A Diocese responsável pela paróquia de Areial emitiu um comunicado afirmando que está investigando o ocorrido e reiterando seu “compromisso com o respeito à pluralidade religiosa, lamentando qualquer declaração que possa contrariar esse valor”.
A cantora e apresentadora Gaby Amarantos classificou o discurso do padre como “inaceitável” e cobrou uma retratação pública. “Vivemos em um país laico. Atacar a crença de outra pessoa, ainda mais em um momento de dor, é de uma falta de humanidade gritante”, escreveu em sua conta no X (antigo Twitter). Gilberto Gil, pai de Preta Gil, optou por não comentar diretamente o caso, mas publicou uma mensagem destacando a importância da tolerância e do respeito às diferentes espiritualidades.
O cenário da intolerância religiosa no Brasil
O episódio em Areial trouxe à tona uma discussão crítica: o aumento da intolerância religiosa em um país conhecido por sua riqueza cultural e espiritual. Dados do Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, mostram um crescimento nas denúncias de discriminação religiosa nos últimos anos, com as religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, sendo alvos frequentes de ataques, muitas vezes perpetrados por pessoas que se dizem defensoras de valores religiosos.
Para especialistas, o preconceito contra essas crenças está enraizado no racismo estrutural presente na sociedade brasileira. “As religiões afro-brasileiras são historicamente estigmatizadas, muitas vezes associadas a práticas demoníacas por líderes que confundem sua missão espiritual com imposição cultural”, destaca a antropóloga e doutora em ciência da religião, Helena Souza.
Um momento para reflexão
Em um período marcado pelo luto pela perda de Preta Gil, uma figura que sempre defendeu a diversidade e o amor ao próximo, a atitude do padre Danilo César vai na contramão de seus valores. Suas palavras, em vez de promoverem consolo, feriram, dividiram e alimentaram a intolerância.
A liberdade de expressão é um pilar essencial, mas não pode servir como justificativa para discursos que incitam o ódio. O caso de Areial é um lembrete urgente: as palavras têm impacto, especialmente quando partem de líderes espirituais com influência sobre suas comunidades.
Agora, cabe à Igreja, ao sistema judiciário e à sociedade como um todo refletirem sobre os limites entre a fé, o respeito e a intolerância. Porque, onde há verdadeira espiritualidade, não deve haver espaço para o desrespeito. E onde há amor, o preconceito não pode encontrar lugar.